quinta-feira, 25 de março de 2010

Aula I: Notas

O quadro "Europa, sustentada por África e América" de William Blake (1796), apresenta um exemplo da visão categórica da biodiversidade humana que nasceu com as viagens e conquistas europeias.


Aqui segue algumas notas referentes à nossa primeira aula:

Raça entre seres humanos:
Enquanto entendida como "variante" ou sub-espécie, não existe nenhuma entidade biológia coerente que pode corresponder ao conceito de "raça" entre seres humanos.

Todavia, existem "raças":  estas são construções sócio-políticas que têm tido um impacto enorme na história dos últimos três séculos.

Portanto, as "raças" existem: só não existem como entidade biológicas. Pode pensar nos signos astrológicos como uma metáfora: os signos claramente existem - pode conferir isto olhando em qualquer jornal do país onde você vai encontrar um horóscopo. Foram criadas por nós, os seres humanos. Nada na organização física do universo indica que os signos astrológicos existam fora de nossa imaginação. As coisas imaginárias podem ser extremamente importantes, porém.

Nota-se bem que dizer que as raças não existem enquanto fato biológico não é a mesma coisa que dizer que todos os humanos são biologicamente iguais. Muito pelo contrário: é reconhecer que o conceito de raça - concebido como um "pacotão" fechado de características biológicas típicas - é simples demais para dar conta dos padrões percebidos na biodiversidade humana. Hoje, os biólogos e os antrópólogos físicos utilizam a teoria de clines para descrever as mudanças nas taxonomias humanas (veja-se: Teoria de Clines, abaixo).

Racialismo (definição):
Racialismo é a crença de que existem características biológicas que são possuidas por todos os membros de um determinado grupo e que não são possuidas pelos membros de outros grupos. Os grupos que são caracterizados pela posse desse características específicas são entendidos como raças. De acordo com o antropólogo Kwame Anthony Appiah, "Racialismo, por si só, não é perigoso... é uma hipótese falsa, mais é um problema cognativo e não moral" (em outras palavras, Appiah acha que as pessoas que acreditam na existência biológica das raças entre seres humanos são burras, mas não necessariamente más).

Racismo (definição):

Propriamente falando, o racismo é uma variante do racialismo. É a aplicação do ponto de visto racialista, utilizando esse com base para comparições discriminatórias e tratamento desigual. Nota-se que a "discriminação" nesse caso não tem que ser negativa, necessariamente. A idéia de que "os asiáticos são melhores em matemática" é disriminatória e racista, junto com a idéia que "os negros sabem dançar muito bem". É a aplicação de um preconceito a um grupo, entendido como biologicamente homogêneo, que faz o racismo.


Teoria de Cline
De acordo com o biólogo B.J. Style (APUD Kageyama et al: 1977), o termo cline é utilizado para descrever as variações de características nas populações que são relacionadas a gradientes ambientais. Assim, um padrão de gradação nas características fenotípicas associadas com um gradiente ecológico é conhecido como ecocline, com fatores geográficos como topocline, etc. É importante notar que o termo cline não é uma categoria taxonômica, mas sim um termo para descrever um tipo particular de variação contínua. Cada característica física humana é distribuida de acordo com um cline diferente e, embora alguns desses clines podem mostrar gradações mais ou menos iguais, isto não é o caso da maioria. Podemos ver alguns clines tipicamente associados com a percepção de "raça" entre seres humanos, abaixo:


A distribuição clinática do cor da pele (mais negro = mais escuro)

A distribuição clinática do tamanho das dentes (mais negro = dentes menores)

A distribuição clinática da anemia falsiforme (mais negro = mais % da gene)

A visão camponês (tradicional) da biodiversidade humana
Até recentemente, a grande maioria da população humana vivia em pequenas aglomerações agriculturais e sua familiaridade com o mundo era restrita a um círculo de mais ou menos 40 kilómetros em torno de sua moradia, póis essa era a distância que um homem ou mulher poderia andar em um ou dois dias. Ora, em nenhum lugar do planeta, vamos encontrar diferenças radicais em taxonomias humanas em 40 km. Mesmo hoje, se fossemos andar a pé da Noruega à Nigéria, não encontrariamos nenhuma etapa em toda a jornada onde a população ao nosso redor mudaria radicalmente no decorrer de 40 kilómetros. E, no entanto, chegando na Nigeria, teriamos que notar que as pessoas que moram por aquelas bandas têm feições diferentes das pessoas em Noruega. Não notamos diferenças radicais porque, andando, estavamos seguindo os vários clines de distribuição de características físicas. Alguém que fizesse tal viagem dificilmente perceberia a existência de "raças", pois nunca encontraria uma mudança radical nas fisionomias das pessoas por onde passou. Ela não veria, por exemplo, uma divisão abrupta entre "branco" e "negro" e sim um lento processo de escurecimento do pele na medida em que ele se aproxima ao equador. Tal viajante questionaria a existência de "negros" e "brancos". Ele perguntaria por que escolher só esses dois pontos na viagem como "diferentes" e não nenhum dos pontos do intervalo?

A visão categórica (moderna) da biodiversidade humana

(E nota-se que quando digo "moderno", estou falando largamente do período entre 1500 e 1950).
Com as mudanças na tecnologia de transportes causadas pelo renascimento na Europa, a visão da biodiversidade humana mudou. Um viajante poderia sair de um lugar (Lisboa, digamos) e viajar até um outro continente, sem ver as populações humanas no entremeio. É claro, os humanos que esses viajantes europeus encontraram no fim dessas viagens eram percebidos como categoricamente diferentes e, pela primeira vez na história humana, a variação humana começava a ser descrita em termos de categorias e não gradientes. Essas categorias foram refoçadas pelas práticas de conquista, colonização e escravidão empregadas pelos europeus na África, Ásia e as Américas. As categorias humanas, então, lentamente viam-se associadas com categorias políticas e de classe e status, se concretizando nas raças que conhecemos hoje.

3 comentários:

  1. Tenho uma dúvida, a "nacionalidade" é uma forma de classificação que delimita grupos de pessoas por territórios e que além de atribuir vínculo jurídico de direito público interno entre uma pessoa e um Estado, considera questões histórico-culturais, sendo assim, a nacionalidade é uma forma de "raça"?

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  2. Bom, vamos ler sobre os conceitos de nacionalidade e etnicidade mais tarde no curso. Porenquanto, vamos dizer que a raça e a nacionalidade foram usadas intercambiavelmente por quase dois séculos.

    Originalmente, "nação" e "raça" eram sinônimos. Com o nascimento de racismo científico no século 19, porém, os dois conceitos foram separados. Nacionalidade virou um conceito político e raça virou (supostamente) um conceito natural.

    Como vocês vão ver, porém, o Adolf Hitler usou "raça" e "nação" como sinônimos, então o entendimento anterior nunca desapareceu por completa.

    Hoje, consideramos tanta nçaõ, quanto raça, quanto etnicidade como construções sócio-históricas.

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  3. Professor,

    para esta próxima aula (dia 28) devemos ler o livro do Laraia ou o texto do Kuper (The Chosen Primate)?

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