quinta-feira, 7 de abril de 2011

Quem é "de cor"?
















Debora Costa encontrou essa propaganda maravilhosa que questiona quem é, de fato, "de cor". É excelente para desmantelar alguns preconceitos comuns sobre o que é cor. Pode ser visto aqui.

Obrigado, Debora!

Lembro vocês que podem me mandar qualquer coisa interessante que vocês encontram em suas pesquisas, que boto aqui para todos compartilharam.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Enciclopédia de conceitos




Muitos conceitos chaves apresentados nas aulas das últimas semanas já têm suas próprias páginas nesse blog e, portanto, não tem porque re-escrevé-los. Por causa disto, essa página aqui vai lhe servir como uma breve enciclopédia para os cocneitos cobertos na aula. Na medida que acresento algo, vou acresentar mais links aqui, então você deve sempre retornar a essa página para ver se houve alguma novidade.

Para ver o material sobre o conceito do superorgânico, clique nesse link aqui.

Informações sobre Darwinismo Social podem ser encontradas aqui.

Informações sobre Edward Tylor e o nascimento do conceito de cultura podem ser encontradas aqui.

Informações sobre o Franz Boas e o refinamento do conceito de cultura podem ser encontradas aqui.

Para os alunos do curso "Biologia, Cultura e o Conceito de Raça", informações sobre os conceitos de raciamo, racialismo e a teoria clinática podem ser encontradas aqui.

terça-feira, 29 de março de 2011

O Nascimento do Conceito de Cultura: E.B. Tylor


 E.B Tylor (1832-1917), fundador do conceito de "cultura".


Na aula do 23.03.2011, discutimos as noção do "superorgânico" (detalhada aqui) e a noção básica de cultura, definido para a primeira vez pelo antropólogo Edward Tylor em 1871.

O conceito de cultura, propriamente dito, continua uma linha de pensamento antigo na Europa a cerca das diferenças físicas e espirituais manifestas entre seres humanos: o monogenismo. Essa teoria estipulava a união psiquica básica de toda a espécie humana, seguindo os preceitos bíblicos que a humanidade descende-se, só e unicamente, de Adão e Eva. O monogenismo se opunhava o conceito de poligenismo, que estipulava que só os povos brancos e mediterraneos foram descendentes de Adão e Eva do Jardim de Eden, os outros povos do planeta sendo criado em outros lugares e momentos (ou por Deus ou pelo Diabo).

Embora seja uma simplificação brutal, podemos pensar em determinismo biológico e racismo como teorias descendentes de (ou aparentadas com) poligenismo enquanto o relativismo cultural tem uma pé firme na herança intelectual de poligenismo.

O conceito de cultura vem própriamente da união de duas outras ideías: kultur, um conceito alemão, utilizado para simbolizar todos os aspectos "espirituais" de uma comunidade (suas leis, tradições, pensamentos e etc.) e a civilización, um conceito francês que refere-se às realizações materiais de um povo (i.e. sua tecnologia).

Em sua obra principal (Cultura Primitiva (1871)), Tylor sintetiza esses dois conceitos para criar o conceito de cultura: essa palavra refere-se todas as possibilidades de realização humana, se opondo fortemente a idéia da transmissão biológica dos comportamentos humanos. Tylor define a cultura assim:

"Todo aquele complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábito adquerido pelo homem como membro da sociedade".


Importante é notar aqui que essa definição contém quatro elementos fundamentais:


1) Em primeiro lugar, a cultura é um complexo - ou seja, o conjunto de todos os conhecimentos referidos por Tylor. Uma coisa não é "cultural" nesta definição e sim "parte de uma cultura".

2) A cultura é adquerida, não nata. Ela independe da biologia.

3) A cultura é adquerida por um indivíduo como membro de uma sociedade. É essa transmissão de saberes que é o ponto mais definitivo da cultura. O individuo, aprendendo sozinho sem mentor, não está agindo de uma maneira propriamente cultural.

4) Todas as capacidades adqueridas, sejam elas espirituais ou mais técnicos, fazem parte da cultura. A música, então, é propriamente cultural, mas a capacidade de dirigir um automóvel ou construir um reator nuclear também é.

Para essa semana (aula II), estaremos lendo e discutindo o primeiro capítulo do livro Genes, Povos e Línguas, já no xerox. Para semana 3, vamos discutir dois capítulos do livro Sociologia (já no xerox) e o livro Cultura, que pode ser encontrado aqui.

Biologia, Cultura e a Questão Racial: ementa, 1.2011



Biologia, Cultura e a Questão de Raça

Professor Dr. Thaddeus Gregory Blanchette Código: MAB111 3ª Feira: 13-17h


Ementa:
O objetivo do curso é discutir o conceito de raça e como essa idéia tem sido aplicada historicamente aos seres humanos na luz dos entendimentos da Antropologia Cultural. Apresentaremos as noções de natureza e de cultura, discutindo a interação entre o social e o biológico. Olharemos para a raça como conceito biológico e como isso tem sido aplicado aos seres humanos, tocando nas histórias imbricadas de racismo e racialismo. Detalharemos a antropologia como campo de conhecimento e discutiremos a evolução humana na luz do conceito do superorgânico de A.E. Kroeber. Apontaremos as distinções entre o conceito de distribuição clinática de atributos versus o modelo racialista. O intuito do curso é posicionar os alunos de Ciências Biológicas frente às principais discussões sobre a questão da (não) existência das raças humanas.

Avaliação: 
A nota do curso será determinada a partir da seguinte formulário:
- 10% presença. O aluno que não comparecer a pelo menos 75% das aulas será reprovado.
- 45% Participação na aula. Leitura e discussão dos textos. Entrega dos trabalhos práticos.
- 45% Trabalho final. Não mais que 10 páginas, espaço 1,5, letra Times New Roman tamanho 12, sem contar a bibliografia.

Informações de contato para Professor Thaddeus:
Fone: 21-9871-1963 E-mail: macunaima30@yahoo.com.br
Horário para consultas individuais: 3ª feira, 11:00-13:00hs, na cantina.

Semana 1 Introdução ao curso: o que é raça? Organização de grupos de trabalho.

Semana 2 Distribuição clinática de genes versus o conceito de raça. Leitura: Luigi Luca Cavalli-Sforza, Genes, Povos e Línguas. Capítulo 1.

Semana 3 O superorgânico. Leitura: Giddens, Sociologia. Capítulos 1 e 2.

Semana 4 e 5 O homem no conceito antropológico. Leitura: Laraia, Cultura.

Semana 6 A evolução humana e cultura. Leitura: Luigi Luca Cavalli-Sforza, Genes, Povos e Línguas. Capítulo 6. Leitura opcional: Kuper, The Chosen Primate. Capítulos 3 e 4.

Semana 7 e 8 Noções clássicas de raça: do Darwin ao Hitler. Leitura: Hitler, Minha Luta (seleções a serem indicadas por Professor Thaddeus.

Semana 9 Entrega do trabalho de grupo.

Semana 10 e 11 Confrontando raça. Leitura: Gould, A Falsa Medida do Homem. Cada grupo apresentará um capítulo.

Semana 12 e 13 Vinhos velhos em garrafas novas? Novas idéias sobre a biologia humana. Leitura: Luigi Luca Cavalli-Sforza, Genes, Povos e Línguas. Capítulo 3. Leitura opcional: Brace, Race is a four letter word. Capítulos 1, 17, 18 e 19.

Semana 14 Etnicidade versus raça: a perspectiva antropológica. Leitura: Barth, “Introdução”.
Filme: Sonhos Tropicais.

Semana 15 Raça e eugenia no Brasil. Leitura: Freyre, Casa Grande e Senzala; Cuikerman, Yes, nos temos Pasteur; Schwartz, O espectáculo das raças. Maio: Raça, ciência e sociedade. Seleções. Cada grupo apresentará um livro.


BIBLIOGRAFIA BÁSICA

BARTH, F. “Introduction”. In: Ethnic Groups and Boundaries. George Allen & Unwin. 1969.
BRACE, C. L. Race is a Four Letter Word: The Genesis of the Concept. NYC: Oxford University Press. 2005
CAVALLI-SFIRZA, L.L. Genes, Povos e Línguas. SP: Companhia das Letras. 2000.
GIDDENS, A. Sociologia. SP: Artmed Editora. 2005.
GOULD, S.J. A Falsa Medida do Homen. SP: Martins Fontes. 2003.
HITLER, A. Minha Luta. (http://www.reidoebook.com/2009/03/rei-do-ebook-minha-luta.html)
KUPER, A. The Chosen Primate. London: Harvard University Press. 1994.
LARAIA, R Cultura: Um Conceito Antropológico. RdJ: Jortge Zahar. 2005.
FREYRE, G Casa Grande e Senzala. Recife: Fundação Gilberto Freyre. 1992.


Blog da turma: http://racabionupem.blogspot.com/ Isto será usado para discutir ou comentar o material apresentado nas aulas. Os comentários podem ser anônimos. Tambem pode ser usado para distribuir textos.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Ritos Corporais Entre Os Sonacirema



O antropólogo está tão familiarizado com a diversidade das formas de comportamento que diferentes povos apresentam em situações semelhantes, que é incapaz de surpreender-se mesmo em face dos costumes mais exóticos. De fato, se nem todas as combinações logicamente possíveis de comportamento foram ainda descobertas, o antropólogo bem pode conjeturar que elas devam existir em alguma tribo ainda não descrita.

Deste ponto de vista, as crenças e práticas mágicas dos Sonacirema apresentam aspectos tão inusitados que parece apropriado descrevê-los como exemplo dos extremos a que pode chegar o comportamento humano. Foi o Professor Linton, em 1936, o primeiro a chamar a atenção dos antropólogos para os rituais dos Sonacirema, mas a cultura desse povo permanece insuficientemente compreendida ainda hoje.

Trata-se de um grupo norte-americano que vive no território entre os Cree do Canadá, os Yaqui e os Tarahumare do México, e os Carib e Arawak das Antilhas. Pouco se sabe sobre sua origem, embora a tradição relate que vieram do leste. Conforme a mitologia dos Sonacirema, um herói cultural, Notgnihsaw, deu origem à sua nação; ele é, por outro lado, conhecido por duas façanhas de força: ter atirado um colar de conchas, usado pelos Sonacirema como dinheiro, através do rio Po- To- Mac e ter derrubado uma cerejeira na qual residiria o Espírito da Verdade.

A cultura dos Sonacirema caracteriza-se por uma economia de mercado altamente desenvolvida, que evolui em um rico habitat. Apesar do povo dedicar muito do seu tempo às atividades econômicas, uma grande parte dos frutos deste trabalho e uma considerável porção do dia são dispensados em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo humano, cuja aparência e saúde surgem como o interesse dominante no ethos deste povo. Embora tal tipo de interesse não seja, por certo, raro, seus aspectos cerimoniais e a filosofia a eles associadas são singulares.

A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano é repugnante e que sua tendência natural é para a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo, a única esperança do homem é desviar estas características através do uso das poderosas influências do ritual e do cerimonial. Cada moradia tem um ou mais santuários devotados a este propósito. Os indivíduos mais poderosos desta sociedade têm muitos santuários em suas casas e, de fato, a alusão à opulência de uma casa, muito freqüentemente, é feita em termos do número de tais centros rituais que possua. Muitas casas são construções de madeira, toscamente pintadas, mas as câmeras de culto das mais ricas têm paredes de pedra. As famílias mais pobres imitam as ricas, aplicando placas de cerâmica às paredes de seu santuário.

Embora cada família tenha pelo menos um de tais santuários, os rituais a eles associados não são cerimônias familiares, mas sim cerimônias privadas e secretas. Os ritos, normalmente, são discutidos apenas com as crianças e, neste caso, somente durante o período em que estão sendo iniciadas em seus mistérios. Eu pude, contudo, estabelecer contato suficiente com os nativos para examinar estes santuários e obter descrições dos rituais.

O ponto focal do santuário é uma caixa ou cofre embutido na parede. Neste cofre são guardados os inúmeros encantamentos e poções mágicas sem os quais nenhum nativo acredita que poderia viver. Tais preparados são conseguidos através de uma serie de profissionais especializados, os mais poderosos dos quais são os médicos-feiticeiros, cujo auxilio deve ser recompensado com dádivas substanciais. Contudo, os médicos-feiticeiros não fornecem a seus clientes as poções de cura; somente decidem quais devem ser seus ingredientes e então os escrevem em sua linguagem antiga e secreta. Esta escrita é entendida apenas pelos médicos-feiticeiros e pelos ervatários, os quais, em troca de outra dadiva, providenciam o encantamento necessário. Os Sonacirema não se desfazem do encantamento após seu uso, mas os colocam na caixa-de-encantamento do santuário doméstico. Como tais substâncias mágicas são especificas para certas doenças e as doenças do povo, reais ou imaginárias, são muitas, a caixa-de-encantamentos está geralmente a ponto de transbordar. Os pacotes mágicos são tão numerosos que as pessoas esquecem quais são suas finalidades e temem usá-los de novo. Embora os nativos sejam muito vagos quanto a este aspecto, só podemos concluir que aquilo que os leva a conservar todas as velhas substâncias é a idéia de que sua presença na caixa-de-encantamentos, em frente à qual são efetuados os ritos corporais, irá, de alguma forma, proteger o adorador.

Abaixo da caixa-de-encantamentos existe uma pequena pia batismal. Todos os dias cada membro da família, um após o outro, entra no santuário, inclina sua fronte ante a caixa-de-encantamentos, mistura diferentes tipos de águas sagradas na pia batismal e procede a um breve rito de ablução. As águas sagradas vêm do Templo da Água da comunidade, onde os sacerdotes executam elaboradas cerimônias para tornar o líquido ritualmente puro.

Na hierarquia dos mágicos profissionais, logo abaixo dos médicos-feiticeiros no que diz respeito ao prestígio, estão os especialistas cuja designação pode ser traduzida por "sagrados-homens-da-boca". Os Sonacirema têm um horror quase que patológico, e ao mesmo tempo fascinação, pela cavidade bucal, cujo estado acreditam ter uma influência sobre todas as relações sociais. Acreditam que, se não fosse pelos rituais bucais seus dentes cairiam, seus amigos os abandonariam e seus namorados os rejeitariam. Acreditam também na existência de uma forte relação entre as características orais e as morais: Existe, por exemplo, uma ablução ritual da boca para as crianças que se supõe aprimorar sua fibra moral.

O ritual do corpo executado diariamente por cada um dos Sonacirema inclui um rito bucal. Apesar de serem tão escrupulosos no cuidado bucal, este rito envolve uma prática que choca o estrangeiro não iniciado, que só pode considerá-lo revoltante. Foi-me relatado que o ritual consiste na inserção de um pequeno feixe de cerdas de porco na boca juntamente com certos pós mágicos, e em movimentá-lo então numa série de gestos altamente formalizados. Além do ritual bucal privado, as pessoas procuram o mencionado sacerdote-da-boca uma ou duas vezes ao ano. Estes profissionais têm uma impressionante coleção de instrumentos, consistindo de brocas, furadores, sondas e aguilhões. O uso destes objetos no exorcismo dos demônios bucais envolve, para o cliente, uma tortura ritual quase inacreditável. O sacerdote-da-boca abre a boca do cliente e, usando os instrumentos acima citados, alarga todas as cavidades que a degeneração possa ter produzido nos dentes. Nestas cavidades são colocadas substâncias mágicas. Caso não existam cavidades naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são extirpadas para que a substância natural possa ser aplicada. Do ponto de vista do cliente, o propósito destas aplicações é tolher a degeneração e atrair amigos. O caráter extremamente sagrado e tradicional do rito evidencia-se pelo fato de os nativos voltarem ao sacerdote-da-boca ano após ano, não obstante o fato de seus dentes continuarem a degenerar.

Esperemos que quando for realizado um estudo completo dos Sonacirema haja um inquérito cuidadoso sobre a estrutura da personalidade destas pessoas, Basta observar o fulgor nos olhos de um sacerdote-da- boca, quando ele enfia um furador num nervo exposto, para se suspeitar que este rito envolve certa dose de sadismo. Se isto puder ser provado, teremos um modelo muito interessante, pois a maioria da população demonstra tendências masoquistas bem definidas.

Foi a estas tendências que o Prof. Linton (1936) se referiu na discussão de uma parte específica dos ritos corporal que é desempenhada apenas por homens. Esta parte do rito envolve raspar e lacerar a superfície da face com um instrumento afiado. Ritos especificamente femininos têm lugar apenas quatro vezes durante cada mês lunar, mas o que lhes falta em freqüência é compensado em barbaridade. Como parte desta cerimônia, as mulheres usam colocar suas cabeças em pequenos fornos por cerca de uma hora. O aspecto teoricamente interessante é que um povo que parece ser preponderantemente masoquista tenha desenvolvido especialistas sádicos.

Os médicos-feiticeiros têm um templo imponente, ou latipsoh, em cada comunidade de certo porte. As cerimônias mais elaboradas, necessárias para tratar de pacientes muito doentes, só podem ser executadas neste templo. Estas cerimônias envolvem não apenas o taumaturgo, mas um grupo permanente de vestais que, com roupas e toucados específicos, movimentam-se serenamente pelas câmaras do templo.

As cerimonias latipsoh são tão cruéis que é de surpreender que uma boa proporção de nativos realmente doentes que entram no templo se recuperem. Sabe-se que as crianças pequenas, cuja doutrinação ainda é incompleta, resistem às tentativas de levá-las ao templo, porque "é lá que se vai para morrer". Apesar disto, adultos doentes não apenas querem mas anseiam por sofrer os prolongados rituais de purificação, quando possuem recursos para tanto. Não importa quão doente esteja o suplicante ou quão grave seja a emergência, os guardiões de muitos templos não admitirão um cliente se ele não puder dar uma dádiva valiosa para a administração. Mesmo depois de ter-se conseguido a admissão, e sobrevivido às cerimônias, os guardiães não permitirão ao neófito abandonar o local se ele não fizer outra doação.

O suplicante que entra no templo é primeiramente despido de todas as suas roupas. Na vida cotidiana os Sonacirema evita a exposição de seu corpo e de suas funções naturais. As atividades excretoras e o banho, enquanto parte dos ritos corporais, são realizados apenas no segredo do santuário doméstico. Da perda súbita do segredo do corpo quando da entrada no latipsoh, podem resultar traumas psicológicos. Um homem, cuja própria esposa nunca o viu em um ato excretor, acha-se subitamente nu e auxiliado por uma vestal, enquanto executa suas funções naturais num recipiente sagrado. Este tipo de tratamento cerimonial é necessário porque os excreta são usados por um adivinho para averiguar o curso e a natureza da enfermidade do cliente. Clientes do sexo feminino, por sua vez, têm seus corpos nus submetidos ao escrutínio, manipulação e aguilhadas dos médicos-feiticeiros.

Poucos suplicantes no templo estão suficientemente bons para fazer qualquer coisa além de jazer em duros leitos. As cerimônias diárias, como os ritos do sacerdote-da-boca, envolvem desconforto e tortura. Com precisão ritual as vestais despertam seus miseráveis fardos a cada madrugada e os rolam em seus leitos de dor enquanto executam abluções, com os movimentos formais nos quais estas virgens são altamente treinadas. Em outras horas, elas inserem bastões mágicos na boca do suplicante ou o forçam a engolir substâncias que se supõe serem curativas.

De tempos em tempos o médico-feiticeiro vem ver seus clientes e espeta agulhas magicamente tratadas em sua carne. O fato de que estas cerimônias do templo possam não curar, e possam mesmo matar o neófito, não diminui de modo algum a fé das pessoas no médico feiticeiro.

Resta ainda um outro tipo de profissional, conhecido como um "ouvinte". Este "doutor-bruxo" tem o poder de exorcizar os demônios que se alojam nas cabeças das pessoas enfeitiçadas. Os Sonacirema acreditam que os pais enfeitiçam seus próprios filhos; particularmente, teme-se que as mães lancem uma maldição sobre as crianças enquanto lhes ensinam os ritos corporais secretos. A contra-magia do doutor bruxo é inusitada por sua carência de ritual. O paciente simplesmente conta ao "ouvinte" todos os seus problemas e temores, principalmente pelas dificuldades iniciais que consegue rememorar. A memória demonstrada pelos Sonacirema nestas sessões de exorcismo é verdadeiramente notável. Não é incomum um paciente deplorar a rejeição que sentiu, quando bebê, ao ser desmamado, e uns poucos indivíduos reportam a origem de seus problemas aos feitos traumáticos de seu próprio nascimento.

Como conclusão, deve-se fazer referência a certas práticas que têm suas bases na estética nativa, mas que decorrem da aversão profunda ao corpo natural e suas funções. Existem jejuns rituais para tornar magras pessoas gordas, e banquetes cerimoniais para tornar gordas pessoas magras. Outros ritos são usados para tornar maiores os seios das mulheres que os têm pequenos e torná-los menores quando são grandes. A insatisfação geral com o tamanho do seio é simbolizada no fato de a forma ideal estar virtualmente além da escala de variação humana. Umas poucas mulheres, dotadas de um desenvolvimento hipermamário quase inumano, são tão idolatradas que podem levar uma boa vida simplesmente indo de cidade em cidade e permitindo aos embasbacados nativos, em troca de uma taxa, contemplarem-nos.

Já fizemos referência ao fato de que as funções excretoras são ritualizadas, rotinizadas e relegadas ao segredo. As funções naturais de reprodução são, da mesma forma, distorcidas. O intercurso sexual é tabu enquanto assunto, e é programado enquanto ato. São feitos esforços para evitar a gravidez, pelo uso de substâncias mágicas ou pela limitação do intercurso sexual a certas fases da lua. A concepção é na realidade, pouco freqüente. Quando grávidas as mulheres vestem-se de modo a esconder o estado. O parto tem lugar em segredo, sem amigos ou parentes para ajudar, e a maioria das mulheres não amamenta seus rebentos.

Nossa análise da vida ritual dos Sonacirema certamente demonstrou ser este povo dominado pela crença na magia. É difícil compreender como tal povo conseguiu sobreviver por tão longo tempo sob a carga que impôs sobre si mesmo. Mas até costumes tão exóticos quanto estes aqui descritos ganham seu real significado quando são encarados sob o ângulo relevado por Malinowski, quando escreveu:

"Olhando de longe e de cima de nossos altos postos de segurança na civilização desenvolvida, é fácil perceber toda a crueza e irrelevância da magia. Mas sem seu poder de orientação, o homem primitivo não poderia ter dominado, como o fêz, suas dificuldades práticas, nem poderia ter avançado aos estágios mais altos da civilização".

Antropologia Cultural, 1o Semestre, 2011



FCA 218 – Antropologia Cultural - Enfermagem
Prof. Thaddeus Gregory Blanchette
2011- 1
Quartas, 13:00 às 17:00

O curso é uma introdução básica à antropologia cultural, com ênfase em discussões sobre o corpo e sua constituição sociobiológico. A avaliação do curso se dará por participação nas aulas (apresentação e discussão de textos) e um trabalho final, que será entregue em Junho.

As informações de contato para o professor são: 21-9781-1963, 21-9781-1963, macunaima30@yahoo.com.br.

Nossa turma tambem terá esse blog, através do qual eu tentarei distribuir informações e textos.

O primeiro texto importante do curso, "Cultura" de Roque Laraia, pode ser encontrado aqui e abaixo, clicando no link do título. O texto dos Sonarcirema será lido na aula pela turma, mas tambem pode ser encontrado na próxima entrada nesse blog.

16/03 Apresentação do curso: A Antropologia como campo de conhecimento.
Miner, Horace. “Ritos Corporais entre os Sonacirema”.

23/03 As noções de natureza e cultura e desenvolvimento da antropologia. Antropologia como resposta ao etnocentrismo.
Laraia, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

30/03  A Antropologia e as demais ciências sociais; as concepções de sociedade e cultura.
DaMatta, Roberto. Relativizando: Uma Introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro: Rocco, 1982. 1ª Parte (17-58)

06/04 A pesquisa de campo e a etnografia como método de fazer teoria em Antropologia.Malinowski, B.
‘Introdução’. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural, 1922.
'Introdução' .Foote-Whyte, William. A Sociedade da Esquina. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2005.

13/04 Raça, Biologia e Cultura
Luigi L. Cavalli-Sforza. Genes, povos e línguas. São Paulo, Companhia das Letras, 2003.

20/04 Apresentação dos trabalhos referente ao livro de Stephen J. Gould: A Falsa Medida do Homem.
27/04 Sexo e Gênero
Laqueur, Thomas. Inventando o Sexo Corpo e Genero, dos Gregos a Freud. SP: Relume Dumara, 2009.

04/05 A Antropologia na Saúde
Porto, Madge, Cecilia McCallum, Russel Parry Scott, Heloísa Mendonça de Moraes 2003. ‘A saúde da mulher em situação de violência: Representações e decisões de gestores/as municipais do Sistema Único de Saúde’. Caderno de Saúde Pública 19(Sup. 2): S243-S252.

McCallum, Cecília e Ana Paula dos Reis 2006. ‘Resignificando a dor e superando a solidão: experiências do parto entre adolescentes de classes populares atendidas em uma maternidade pública de Salvador’. Caderno de Saúde Pública 22(7): 1483-1491.

Souza, Iara Maria Almeida de 2007. ‘Produzindo Corpo, Doença e Tratamento no Ambulatório: Apresentação de Casos e Registros em Prontuário’. Mana. Estudo de Antropologia Social 13(2): 471-496.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Notas Finais, Antropologia Cultural

Peço desculpas pelo atraso relativo em postar essas notas, pois estou tendo alguns problemas chatos de saúde. Nada grave: só... chatos. :-/

Bom, aqui está as notas finais e as notas de todos os trabalhos durante o semetre. Vocês podem entrar em contato comigo, caso que tiver dúvidas ou acham injusta sua nota.

Abraços e boas férias para todo mundo!

Aproveito para anunciar que estarei ministrando um cursinho sobre a cultura militar nos séculos XVIII-XIX durante o Verão com Ciência em fevereiro. Se você tiver interesse em história militar (ou conhecer alguém que tem), por favor, comparece! Vai ser divertido! Vamos acabar o curso com a recriação de uma batalha napoleónica em escala 1/700.